quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


O Primeiro dia de férias por Laura Trachtenberg Hauser
Bom, o primeiro dia de férias! Genial para a maioria das pessoas, fim dos estudos, do trabalho, teoricamente de tudo que nos incomoda, e nos afasta da plenitude pessoal e humana... pois é, pra mim as coisas funcionam de maneira um pouco diferente. Para explicar isso tenho que falar um pouco mais sobre mim.
Estudo história na Sorbonne, porque digo especificamente a Sorbonne, bom talvez para me gabar um pouco, e principalmente para me proteger de contra-argumentos quando digo que meu curso é imensamente trabalhos, demanda horas de estudo e leitura, o que serve para justificar todas minhas neuroses, ou talvez tampá-las com a peneira...
Como acabei na Sorbonne, sendo que sou brasileira... morei durante um ano na França em 2009, gostei muito do país e, de volta à São Paulo, detestava a faculdade de jornalismo... Alors, resolvi me inscrever para a Université Paris 1... fui aceita, e fui!
Durante os oito meses de curso anuais, estudamos que nem cavalos, des de o Império Romano, até a História Moderna da Transilvânia (sim, a Transilvânia existe... sim, o personagem do Conde Drácula foi inspirado num antigo « senhor feodal » da região)- começamos a ver que estamos realmente na merde quando pesquisamos algo no Google e a unica resposta é « 0 resultados », aí a solução é se jogar nas bibliotecas, lídar com os seres estranhos que vivem por lá e se alimentam de livros, nunca falam alto, são sempre pálidos e vivem se esgueirando entre as prateleiras, com o tempo você acaba virando um deles...
E após esses oito meses de gritos de desespero nas cavernas mais profundas, procurando a única edição do livro sobre a política construtiva medieval de Milão nos séculos XIV e XV, sim isso existe... O ano de repente acaba.
Aí acordo num dia de feriado em Paris, ou seja: tudo fechado, graças a politica de bem estar social francês, Merci la France! E me deparo com o dia inteiro sem absolutamente nenhuma tarefa. O primeiro sentimento é de alívio, de missão comprida, momentos megalomaníacos com direito a gargalhadas satânicas por ter passado em História Medieval... num segundo momento um vazio...
E não há nada melhor para ocupar um vazio que uma boa preocupação, logo vi que o meu aluguel do mês não havia chegado ao proprietário por culpa do banco, algo facilmente resolvível quando não estamos em um dia de feriado na França, mas mesmo assim resolvo mandar cerca de 10 e-mails para o banco, para a agência de apartamentos, para minha gerente do bando e para a secretária da agência de apartamentos, uma mulher de 40 anos, não casada, francesa, infeliz com sua vida amorosa... que já passou faz tempo do seu estado balzaquiano.
Tendo isso feito, são 11h30 da manhã e ainda tenho meu dia inteiro pela frente pronto para ser arruinado, a pergunta é: como fazê-lo¿ sim, pois isso é um talento, é preciso dedicação, força de vontade e aptidão...
Depois de meia hora andando em círculos pelo meu chateau de 17m², no quinto andar sem elevador, com o teto inclinado- bom, sempre posso dizer que moro numa cobertura em Paris... Sabe aqueles prédios centenários charmosíssimos parisienses, que sempre aparecem nos filmes franceses que nós de humanas veneramos e sempre nos imaginamos morando num desses, tomando uma taça de vinho e escrevendo nossos pensamentos em um moleskine antigo, Pois é, não funciona bem assim... primeiro que até você carregar a garrafa de vinho mais suas compras de supermercado já não é tão poético...
Mas voltando ao dia de férias, coloquei a roupa pra lavar e comecei a arrumar o apartamento, imundo depois de duas semanas de exames finais, época em que sobrevivemos a base de comida congelada, dormindo em cima dos livros e fotossíntese a base da luz do computador... real story...
Não contente, lembrei que tinha uma amiga, estudante de história da arte que teria ainda uma prova de história antiga, e aí vem a parte que mais me envergonho: mandei uma mensagem para ela perguntando se não queria ajuda para estudar... estou até sentindo sua reação após ler essa frase, mas tenha sempre em mente doeu mais em mim do que em você... Estudei tudo de novo no meu primeiro dia de férias, toda dinastia julio-claudiana romana e os sucessores de Alexandre, o Grande... quando estávamos dando um tempo tomando uma cervejinha meu celular da dois pequenos toques, era a agenda... tinha esquecido completamente que tinha análise naquela tarde... não é surpresa, depois de tudo isso, que eu faça análise...
Expulsando minha amiga de casa fui correndo até minha psicanalista como estando atrasada para qualquer compromisso, disposta a chegar a tempo cumprir o horário e voltar pra casa. Cheguei a tempo sentei no sofá do consultório e... nada, silêncio... mais nada... um branco, um vazio- aquilo não era mais um compromisso... não conseguia saber o que eu sentia, nem que pensamentos me passavam pela cabeça, me deu uma tensão por não conseguir fala nada, como estar falhando numa prova, depois angustia por não conseguir nem saber o que estava sentindo fiquei olhando para o teto, e para o gato da minha analisa que roncava profundamente (a falta de interesse dele também não ajudou)... ela disse:
- “o tempo acabou”
-hoje eu não consegui
-faz parte – ela concluiu com um sorriso acalentador.
Fui embora, sentei num banco por uma meia hora, pensando no que tinha feito com o meu dia, dessa vez a conjugação do verbo não poderia ser outra: o que eu fiz com meu dia... o que me faz pensar que a conjugação quase nunca é outra, na maior parte do tempo somos responsáveis por nossos dias, todos os que compõem a nossa vida...
Pena que não paramos todos os dias meia hora num banco de rua pra pensar como foi o nosso dia, para fazer uma avaliação sincera dos acontecimentos, e não apenas nos nossos dias des férias, que pena dever esperar os parênteses, para poder definir o curso do texto... Por quê não percebemos todas as desculpas que nos damos para continuar nossa vida de formiga em campo de trabalho forçado¿ Por quê se questionar ficou tão difícil¿
Só sei que às vezes os silêncios são mais úteis que as respostas diretas e seguras, principalmente sobre as perguntas que não ficam guardadas em livros de bibliotecas subterrâneas, nem em oráculos modernos via internet e, muito menos, em teses de doutorado. O problema não é arruinar o primeiro dia de férias, mas deixar de perceber que não percebemos todos os outros dias...

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